MAREÓGRAFO
a folhagem
agita-se sobre os bastidores
deste texto
repara no mar que ali
se faz contra tudo (conta
tudo)
sonhei que viajava enfim para
Paris
todas as palavras
a todas as
palavras
deste texto
leio:
“quem passa o cabo Maleia abandona a pátria”
na esplanada do Príncipe Real a copa
oferece uma folha à mesa onde reúno ruína e Agosto
reorganizo a rota o plano de voos
“quem passa o cabo Maleia abandona a pátria”
na esplanada do Príncipe Real a copa
oferece uma folha à mesa onde reúno ruína e Agosto
reorganizo a rota o plano de voos
belas são as rosas deste mês quente nas bermas
em todos os quintais das casas
na estrada para Góis
sobrevivem ao tráfego violento
dos motards
em todos os quintais das casas
na estrada para Góis
sobrevivem ao tráfego violento
dos motards
vejo-as excessivas junto ao lago do Jardim da Estrela
quando corro para o eléctrico que tardará como tu
nesta holocénica época da minha espera
quando corro para o eléctrico que tardará como tu
nesta holocénica época da minha espera
dentro da noite
tomo nota de dispersas canções em guardanapos
palavras estrangeiras o comércio dos olhares
a água doce dos gestos o latido de um cão
palavras estrangeiras o comércio dos olhares
a água doce dos gestos o latido de um cão
Lisboa caminha em geral para o Oriente Próximo
do Outono
do Outono
na mesa atrás alguém nomeia os sábios do Séc. XVI
esses que considerariam escandaloso o erotismo sonoro
da palavra Macintosh
esses que considerariam escandaloso o erotismo sonoro
da palavra Macintosh
leio hora a hora o desenho dos polígrafos
meço marés com o rigor nefelibata dos amantes
espalho na superfície interior dos lugares
barómetros, barógrafos, anemómetros
insisto em espiar o gelo da Antártida
mas a vida segue o seu ciclo desmedido
na completa ignorância deste poema
meço marés com o rigor nefelibata dos amantes
espalho na superfície interior dos lugares
barómetros, barógrafos, anemómetros
insisto em espiar o gelo da Antártida
mas a vida segue o seu ciclo desmedido
na completa ignorância deste poema
CANÇÃO DO DIA 1 DE SETEMBRO
o jornalistarepara no mar que ali
se faz contra tudo (conta
tudo)
documento
reaberto não sei em que linha
texto em cima do
reaberto não sei em que linha
texto em cima do
joelho apontado ao mar
ela diz: estou mesmo infeliz desde aqui
quem se lembraria de escurecer agora
que todos os risos explodem dentro dele
ela entorna o galão no jornal de sábado
felizmente nas páginas que já leu
que todos os risos explodem dentro dele
ela entorna o galão no jornal de sábado
felizmente nas páginas que já leu
no Jardim da Parada
o template do telemóvel mudou
para o desenho e cores do Outono
é dia 1 de Setembro
o template do telemóvel mudou
para o desenho e cores do Outono
é dia 1 de Setembro
(uma manhã estranha como Camilo Pessanha)
repara na forma desajustada deste
poema cheio de adjectivação
impublicável calenda
sobre a qual os pássaros
ainda teimam alheios ao YouTube
poema cheio de adjectivação
impublicável calenda
sobre a qual os pássaros
ainda teimam alheios ao YouTube
ela recuou em transumância ao mês passado
para fumar outra vez contra o
para fumar outra vez contra o
grande
silêncio entrecortado pelo
bater do sino
silêncio entrecortado pelo
bater do sino
o sinal horário
devolveu-lhe a clara substância pura
do sol de Agosto
devolveu-lhe a clara substância pura
do sol de Agosto
dando no renque seco
dos carvalhos
pés sobre a terra
mãos aproximando-se do princípio
celestial das
roseiras
pés sobre a terra
mãos aproximando-se do princípio
celestial das
roseiras
DESDE ARTAUD: UM E-MAIL
à décima noite em Parissonhei que viajava enfim para
Paris
chove
a noite entra na casa
na mesa de trabalho dois copos vazios de Suze
à frente de um poster de Artaud que demorei a
decifrar
a noite entra na casa
na mesa de trabalho dois copos vazios de Suze
à frente de um poster de Artaud que demorei a
decifrar
à direita
um desproporcionado mapa-mundo onde
quase só há oceano (custar-te-ia crer também
no intricado jogo de palavras de um cartaz
na parede do lado esquerdo)
um desproporcionado mapa-mundo onde
quase só há oceano (custar-te-ia crer também
no intricado jogo de palavras de um cartaz
na parede do lado esquerdo)
a imaginação
pode ser fatal
lembro a primeira frase de Os passos em volta
onde
pode ser fatal
lembro a primeira frase de Os passos em volta
onde
querendo
se enlouquece
se enlouquece
a estranha posição de um homem fotografado junto à
Torre de Saint-Jacques que se apresenta há muito
tapada em lento trabalho de restauro
Torre de Saint-Jacques que se apresenta há muito
tapada em lento trabalho de restauro
há uma baleia perdida
subindo o rio Amazonas em direcção a quê
subindo o rio Amazonas em direcção a quê
uma multidão em Bagdad rising from the
typewriter of William S. Burroughs
typewriter of William S. Burroughs
é tarde
a noite tomou esta sala de silêncio como se
fosse crude devagar pelo casco de um navio
no fundo do mar
a noite tomou esta sala de silêncio como se
fosse crude devagar pelo casco de um navio
no fundo do mar
escrevo-te desde Artaud até à saudosa
casa nos arredores de Amesterdão onde terás chegado hoje
uma casa que conheces bem onde sabes o lugar
dos pratos dos talheres a tonalidade
casa nos arredores de Amesterdão onde terás chegado hoje
uma casa que conheces bem onde sabes o lugar
dos pratos dos talheres a tonalidade
das estações nas janelas
a casa já não é tua mas
reconheces o conforto dos sofás
o prazer antigo de estar na sala
o avançar tímido da luz no soalho
reconheces o conforto dos sofás
o prazer antigo de estar na sala
o avançar tímido da luz no soalho
como dizia
sonhei que viajava enfim
para Paris
sonhei que viajava enfim
para Paris
falo de um tempo de espera
de um delay entre a matéria e a consciência
o éter o tempo em que vão cair as pétalas a
todas as palavras ade um delay entre a matéria e a consciência
o éter o tempo em que vão cair as pétalas a
todas as palavras
a todas as
palavras
[in Contra a Manhã Burra, Mariposa Azual, 2009]
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