Do Alentejo
Quero o
branco persistente nas paredes fartas de cal
marcadas de rugas
como as mãos velhas que as pintam
quero o amarelo
citrino do trigo aurora ceifado de tarde
entre segredos
lentos e demorados
campos
tingidos por papoilas vermelho ao sol
vozes que se
levantam do chão e entoam o canto austero cavado de enxadas,
lavam as
lágrimas sinuosas dum sofrimento espesso a rasgar o sufoco dessa muda liberdade
os girassóis
parecem cobrir tudo o que a vista alcança, perdem a forma
quando tocam o
horizonte olham-nos de frente com um olhar de que ninguém se escapa
filhos de
uma terra de claridade, comem o pão duro
o Alentejo
quando arde cheira a azinho, coentros da Lurdes e orégãos
as portas
nunca se fecham, deixam-nas escancaradas ao assomo das almas
escuta-se o
silêncio e o canto nocturno do mocho na oliveira
sábios dos
cardos às estrelas, do que rasteja ao sonho mais improvável
dizem os
nomes de pássaros que ninguém viu
copos
ínfimos a transbordar do tinto do Vai-à-Vila
sei a
profundidade da ribeira e os contornos da pedreira que me ensinaram a ver
na lonjura
desse caminho fui menino e fiz-me homem
é para cá
que me trouxe, é aqui que me quero.
2 comentários:
Um traço bucólico incontornável
alicerçado em versos muito muito belos
como por exemplo o excelente início do poema
"Quero o branco persistente nas paredes fartas de cal
marcadas de rugas como as mãos velhas que as pintam
quero o amarelo citrino do trigo aurora ceifado de tarde
entre segredos lentos e demorados
campos tingidos por papoilas vermelho ao sol
vozes que se levantam do chão e entoam o canto austero cavado de enxadas"
Um traço aprimorado na reconstrução de um mundo (quase diria, um Alentejo surreal) de diferentes tons
Nessa reconstrução cénica se guardando, quase entrelinhas, a sensibilidade (emoção/memória) que perpassa o poema
Gostei Muito
Abraço
conjugada
Caro Filipe,
Ainda bem que gostou.
Trata-se sim de um retrato melancólico do Alentejo.
Obrigada!
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