"Mas o medo da loucura, Jeanne, só o medo da loucura nos levará a ultrapassar as fronteiras invioláveis da nossa solidão. O medo da loucura destruirá os muros da nossa casa secreta e projectar-nos-á no mundo à procura de contactos ardentes.
Os mundos autoconstruídos e alimentados em si próprios estão cheios de fantasmas e de monstros.
Conheço apenas o medo, é verdade, tanto medo que me sufoca, que me deixa a boca aberta mas sem fôlego, como alguém a quem falta o ar; ou noutras alturas, deixo de ouvir e fico subitamente surda para o mundo. Bato os pés e não ouço nada. Grito e não percebo nem mesmo um pouco do meu grito. E também às vezes, quando estou deitada o medo volta a assaltar-me, o terror profundo do silêncio e do que poderá sair desse silêncio para me atingir e bata nas paredes das minhas têmporas, um grande, sufocante pavor. Eu então bato nas paredes, no chão, para acabar com o silêncio. Bato, canto, assobio com persistência até mandar o medo embora.
Sempre que me sento em frente de um espelho troço de mim própria. Escovo o cabelo. Vejo dois olhos, duas longas tranças, dois pés. Olho-os como se fossem dados num copo, à espera de que os sacuda, para que ao saírem se tornem EU.
Não sei dizer como todas essas peças separadas conseguem ser EU. Eu não existo. Não sou um corpo. Quando estendo a mão a alguém, sinto que a outra pessoa está longe, como se estivesse noutro quarto, e que a minha mão também lá está. E quando me assoo receio que o meu nariz fique no lenço.
Voz-melro cantante. Sombra da morte correndo atrás de cada palavra para as fazer secar antes que as acabe de dizer.
Quando o meu irmão se sentou ao sol e a sombra do seu rosto ficou projectada nas costas da cadeira, beijei a sua sombra. Beijei a sua sombra e esse beijo não o tocou, beijo perdido no ar, fundido na sombra.
O amor de um pelo outro é como uma extensa sombra que se beija, sem qualquer esperança de realidade."
anaïs nin
a casa do incesto
No fundo, e eis a banalidade desinteressante, somos o que somos, porque fomos, mesmo quando não queremos interiorizar aquilo que já fomos e que tentamos esquecer.
Sem querer, damos murros em pontas de facas e como se não chegasse, ainda voltamos ao cemitério só para deixar flores a um qualquer traste que nos dizimou.
(Aposto que Freud teria muito dizer sobre isto!...)