travessas morenas numa calçada escura evitar as irregularidades naquela esquina, uma luz o som que traz o sabor do rum o conforto do sossego no meio dos outros para ficar sozinho e poder pensar-te ver-te, faz-me falta ver-te e o teu pedido para acender um cigarro depois consigo ter o verde dos teus olhos escutar só o teu murmúrio e a textura do arrepio em ti dividir em fotogramas o contorno do teu pé e como calcas o chão com os teus saltos altos rodas a cabeça e fixo o teu sorriso de menina na minha pele limpa nada marquei o ferro quente indelével queima ainda no fumo podes ler todas as palavras que são tuas é nelas que me deixo
treme o cigarro compulsivamente contra o cinzeiro aborrecido vascolejas opinativas respeitabilidades estatísticas do falecido 21 gramas é o que se esfuma. heurísticas subtraídas à instrução ignorante da negligência de viver apagas o vicio enervado passivo funeral contra o pano de fundo da mediocridade e definhas folhas de silêncio em decrescente contentamento melancólico porque o pensamento é um alcoólico em vias de extinção cancro em remissão na Lei Seca da liberdade.
para beber em tragos de assaltos abriu-se uma fenda no corpo do chão o cheiro lembrou-se do coração desapartou-se inquieto do afecto mandou pegar fogo ao concreto e às urtigas a comoção.
líquido insecto, que de resto, não digerido provoca ulceras no estômago do pensamento.
Se mergulhar de repente como quem faz música por dentro da tua pele rasgar-te-ei pautas sem Dó. enquanto é tempo, não sei se aguento: comer-te as entranhas por dentro desarranjar partituras graves profundidades de agudos só.
Numa tangente a uma curva num ponto onde nos podemos mover, imóveis o espaço em volta são os passos de volta disseram do paradoxo inventámos a solução gato morto e vivo, a simultaniedade estamos na mesma espiral o encontro uma inevitabilidade fusão atómica de atmosferas sob altas pressões espasmo de néons, encadeados na luz ébrios no vinho puros na água caminhámos tanto até aqui, mesmo que quietos os pés doídos, como se tivéssemos percorrido o mundo todo os papéis dispersos, agora juntos numa gaveta o esboço palavras e versos, ideias o pranto floriu ode, harmónicas subliminares a urdirem-nos numa hipérbole de nós, para nós.
A embriaguez dos Amantes o rasto que se deixa na areia corpos voláteis matéria prima da paixão de um triângulo rodado um dodecaedro a possibilidade de todos os ângulos a luz contida, míriades de reflexos.
Eu o teu espelho tu o meu nós um espelho ela do espelho ele no espelho tu espelho nós um espelho nós, espelho. Nós!
Foi um estorvo, arrepio as palavras inquietas o salto num abraço a esconderes o rosto envergonhada um beijo rebuçado como desculpa e juntas os teus lábios aos meus estalas-me a pele, insuportável comoção os olhares cruzados, sempre de noite, porque aqui levantamos parede e conjuramos o dia aniquila-se tudo, cessa o mundo o tempo em pó contemplamos a locomotiva da luxúria numa viagem ópio sangramo-nos em luta ou em valsa, somos nós, do início da vida mar repleto, incessante, suspiro e sorriso escrito com cinco palavras três nomes, esguios e redondos, fechados e temos a presença aqui, ali, num lado e no outro do espelho sublime ausência sempre de frente para o mar.
Foram as palavras criadas do pó e do éter pensado descodificado o mundo e os mistérios revolvidos acima de ti e de mim a Arte Helénicos e Gregos trovadores a encenar o súbtil, as lágrimas e o sangue o ciúme e a paixão os mitos e as Deusas templos de multidões espetáculos e a eternidade é preciso incendiar esse chão que pisam imular os obscurantistas elevar o espírito que nos precede e faz de nós a praia mais iluminada aqui a Ocidente.
Tocaste o chão braços compridos, andas de ingenuidade um andar reflexivo, lascivo amparo-te com o olhar trago a tua marca guardo o reduto enleamos as sombras e o calor abre às estrelas o céu espreitamos elevamo-nos de máximos ligados mais depressa que a luz a relva molhada é sempre fresca sabem-no os pés que a pisam.
Podia escutar o silêncio. A filigrana das partículas do ar, tocando-se num rumor que era só um leve sopro. Falaste-me ao ouvido com as palmas das mãos viradas para cima e o rubor rosa na tua face, não me tocaste com os cabelos mas sabia-os pimenta preta. O eco deixou-as mais um instante a rodopiar e escuto-as desde então.
Vagos e desfocados momentos esmaecidos no vívido orgânico verde dos teus olhos.
Trago comigo esse eco-silêncio onde as tuas palavras se insinuam e se constituem o desenho de ti.
Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de a menos Sendo que mais justo seria o de ter um parafuso trocado do que a menos. A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas nos poetas dessa disfunção lírica.
1 - Aceitação da inércia para dar movimento às palavras. 2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais. 3 - Percepção das contigüidades anômalas entre verbos e substantivos. 4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras. 5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas coisas desimportantes. 6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de uma pedra. 7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais importância aos passarinhos do que aos senadores."
De: Manoel de Barros, Tratado geral das grandezas do Ínfimo
Contemporâneos e modernistas, ambas as obras escritas na primeira metade do Séc. XX.
Eis o desafio aos sentidos, ao pensamento, à abstracção, à concentração, à pesquisa. Eis o desvio à norma e ao facilitismo. Eis o trilhar de novos caminhos e citando John Cage :
"Eu não quero ultrapassar o muro, quero derrubá-lo". John Cage
O Belo não pode ser sempre uma mesma coisa. Temos de desafiar a nossa percepção, os sentidos, as emoções e o racional. Temos de saltar no abismo. Parar e escutar por mais de 3 minutos. Ler mais que uma frase.
Rasteja até mim. Subrepticiamente surpreende-me no altar de ti inocular o teu veneno segurar-te entre as mãos curvas e linhas assimetria do ébrio desventrar-te num impulso insane e morrer num esgar de prazer nesse lugar de tudo e de nada hipotálamo do inominável são as veias acossadas ocre veludo vício veneno. Rasteja até mim.