terça-feira, 1 de julho de 2014

Ninguém tropeça nos dias



As ruas cheias de vidros, plásticos, garrafas e pontas fumadíssimas de cigarros e algumas ganzas. Tudo era uma tendência inabalável para a morte poluída, como quem prefere o suicídio, à morte pelas facas do inimigo.
Cinzento, tudo muito cinzento e no chão desenhava-se com os dedos pinturas rupestres do que um dia foram as flores, o mar e a primavera. Agora, debaixo do desenho e dos dedos cinzentos, existia somente o vestígio do que outrora fora verde cor de relva; havia até alguns que através duma nova tradição oral, conseguiam ainda relatar levemente o que fora uma floresta, ou qual o cheiro da chuva no campo ou até a que sabia o mar azul e verde.
Nada. Só existia cinzento e o mar, essa coisa agora intocável, servia somente como cemitério dos pobres.
As ruas. Cinzento. Nada.
E a memória do mar.





1 comentário:

Filipe Campos Melo disse...

A memória invade-nos
desapossa-nos
tropeça-nos

tem talvez um aroma floral
um vestígio de tempo-outrora
quando as ruas eram poemas
que se escreviam instintivamente

Agora a morte é lenta
progressiva
inadiável

talvez não
levemente verso