sexta-feira, 28 de junho de 2013

Adn


Tão perto de ti como a alsa de um vestido no ombro
Subtraí a massa ao meu corpo, sem carne
Etéreo, colado num vácuo
Ser tudo o mais que me rodeia
A presença de ti
As mãos a segurar as cordas num piano
Controlar o ressoar num assertivo acerto do timbre
Mais fundamental que um caracter inscrito numa tatuagem
Partícula ínfima proteína modificada no teu adn
Porque é sempre no fora de mim
Esquecido do resto dos dias
Que procuro as curvas para depois as olvidar
E sublinhar assim esse embaraçado novelo de emoções,
Na tua pele.


domingo, 16 de junho de 2013

Vagas quentes no lençol da boca



Extracto liquefeito de memórias vagas
o teu corpo lençol
na minha boca
o teu braço morno e o sexo quente.

O abismo entre as minhas pernas
é uma ponte feita de
palavras.

Um auto retrato em luz de verão.

O meu ditongo da saliva que não sei conjugar
no mecanismo persistente do tempo
conjura-me os pêlos do abismo que
julguei inoportunos.
Ingenuidade.

No olhar alado do sono
espero-te estátua de mel
no formigueiro de uma papoila.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Perpetua-se um nevoeiro que me tolda a inteligência


Trago nas mãos dentro do bolso das minhas coxas, a imagem embrulhada de ti; com um sorriso afunilado lá longe humedece-me os lábios de cereja feitos de beijos. Os passos pisados de uma calçada agastada pelas pressas ficam indiferentes ao que trago enrolado nos dedos, como se fosses tu a brincar com o meu cabelo - ainda sinto o calor amor das tuas mãos.
As pernas novelo desembaraçam-se lânguidas na almofada do sono e o sol nasce devagar perante a minha contemplação das tuas nádegas, porém, o dia despe-me a epifania onírica e saio de casa com os dedos inchados do sonho.
Como um peixe na praia, sufoco lentamente com os dedos na boca - a minha petite mort; e as pedras agastadas continuam indiferentes ao que trago nos bolsos.
Esta dicotomia aparentemente paradoxal de uma cegueira que visto de lençol branco lavado antes de me deitar serve-me de colo ao embalo do sono que anseio e odeio. Descobri esta vergonha da singularidade que pensei nunca existir no bolso das minhas coxas - uma parede de taipa branca, sem janelas para o mar.
E sufoco lentamente com os dedos na boca.

domingo, 9 de junho de 2013

Tenho em mim esta sofreguidão de te comer


Morder todos os pedacinhos do teu corpo e guardar na minha língua o sabor férreo do teu sangue para depois lamber as tuas feridas dos meus tormentos.
Não me chega olhar-te assim, nunca me chega sequer olhar-te.Não me chega tão pouco tocar-te, nem sequer beijar-te.
Às vezes abraço-te com a força de te engolir molecularmente e encarnar-te na minha carne feita de pedras e ruelas escuras. 
Também não me chega pensar-te e muito pior me faz imaginar-te. 

A única coisa que me contenta temporariamente a vontade de te esventrar é a lembrança dos plácitos perdurados na minha memória de nós.

Herberto Hélder - O amor em visita


"Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo."

Reinvenção



Escutar-te-ei


larva de seda por entre linho

o sentido de ti

nas palavras dissecadas

mascadas longamente

prolongando o som e os silêncios

na tua boca, mover-me

enrolar nos dedos o teu id

e a líbido soprada no ar

muito mais que por dentro

ter-te por fora

como um cataclismo a obliterar-te

cessando tudo em teu redor

só para ficares tu

e consumir-te nesse reduto

a inversa da entropia

lado fora de ti

postulado do absoluto reinventado

tu, um cosmos.






sábado, 8 de junho de 2013

acompanhamento de bica curta

(de António Nelos)
Não podes dizer que nunca te dei nada.

La Folie


Porventura as palavras batem todas ao lado. Escorregam devagar pelas cordas da discórdia e desaguam no pântano do desengano. Devagar.
(O som que fazem ao cair assemelhasse à explosão de um prédio mundano dos anos 80.)
Porventura as intenções misturam-se e tudo fica cinzento, cor de pó de pedra e infiltra-se em todos os poros da pele e dos olhos para fazer uma lama espessa. Ficamos cinzentos, amargurados, cansados, gastos, velhos. Por fim explodimos e bocadinhos de letras e sílabas explodem pelo ar como os estalinhos que mandávamos em direcção ao chão quando éramos miúdos.
A confusão instala-se e já não ouvimos. Só observamos em câmara lenta as bocas que debitam decibéis de projécteis e pedras para o ar. Ficam a pairar uns segundos enquanto nos batem dentro do cérebro e o transformam em papa. Demasiado ruído, demasiado alto, demasiado ao mesmo tempo. Fugimos. Fugimos a sete pés e pelo meio deixamos cair uma rosa. Fugimos.
(O som que fazem ao rebentar assemelhasse à implosão de uma estrela e tudo fica como as esponjas numa banheira - silêncio.)
O silêncio larga-nos o corpo como a água de um riacho sereno, e devagar ficamos secos, vazios e cheios de pedras. 

D  
r


Porventura quando já tivermos muita sede, voltamos os olhos de lama e choramos a imensidão da loucura com braços de água e deserto.
La folie.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Três poemas de Miguel-Manso

MAREÓGRAFO

a folhagem
agita-se sobre os bastidores
deste texto

leio:
“quem passa o cabo Maleia abandona a pátria”
na esplanada do Príncipe Real a copa
oferece uma folha à mesa onde reúno ruína e Agosto
reorganizo a rota o plano de voos
belas são as rosas deste mês quente nas bermas
em todos os quintais das casas
na estrada para Góis
sobrevivem ao tráfego violento
dos motards
vejo-as excessivas junto ao lago do Jardim da Estrela
quando corro para o eléctrico que tardará como tu
nesta holocénica época da minha espera
dentro da noite
tomo nota de dispersas canções em guardanapos
palavras estrangeiras o comércio dos olhares
a água doce dos gestos o latido de um cão
Lisboa caminha em geral para o Oriente Próximo
do Outono
na mesa atrás alguém nomeia os sábios do Séc. XVI
esses que considerariam escandaloso o erotismo sonoro
da palavra Macintosh
leio hora a hora o desenho dos polígrafos
meço marés com o rigor nefelibata dos amantes
espalho na superfície interior dos lugares
barómetros, barógrafos, anemómetros

insisto em espiar o gelo da Antártida
mas a vida segue o seu ciclo desmedido
na completa ignorância deste poema

CANÇÃO DO DIA 1 DE SETEMBRO

o jornalista
repara no mar que ali
se faz contra tudo (conta
tudo)

documento
reaberto não sei em que linha
texto em cima do
joelho apontado ao mar
ela diz: estou mesmo infeliz desde aqui
quem se lembraria de escurecer agora
que todos os risos explodem dentro dele
ela entorna o galão no jornal de sábado
felizmente nas páginas que já leu
no Jardim da Parada
o template do telemóvel mudou
para o desenho e cores do Outono
é dia 1 de Setembro
(uma manhã estranha como Camilo Pessanha)
repara na forma desajustada deste
poema cheio de adjectivação
impublicável calenda
sobre a qual os pássaros
ainda teimam alheios ao YouTube
ela recuou em transumância ao mês passado
para fumar outra vez contra o
grande
silêncio entrecortado pelo
bater do sino
o sinal horário
devolveu-lhe a clara substância pura
do sol de Agosto
dando no renque seco
dos carvalhos
pés sobre a terra
mãos aproximando-se do princípio
celestial das

roseiras

DESDE ARTAUD: UM E-MAIL

à décima noite em Paris
sonhei que viajava enfim para
Paris

chove
a noite entra na casa
na mesa de trabalho dois copos vazios de Suze
à frente de um poster de Artaud que demorei a
decifrar
à direita
um desproporcionado mapa-mundo onde
quase só há oceano (custar-te-ia crer também
no intricado jogo de palavras de um cartaz
na parede do lado esquerdo)
a imaginação
pode ser fatal
lembro a primeira frase de Os passos em volta
onde
querendo
se enlouquece
a estranha posição de um homem fotografado junto à
Torre de Saint-Jacques que se apresenta há muito
tapada em lento trabalho de restauro
há uma baleia perdida
subindo o rio Amazonas em direcção a quê
uma multidão em Bagdad rising from the
typewriter of William S. Burroughs
é tarde
a noite tomou esta sala de silêncio como se
fosse crude devagar pelo casco de um navio
no fundo do mar
escrevo-te desde Artaud até à saudosa
casa nos arredores de Amesterdão onde terás chegado hoje
uma casa que conheces bem onde sabes o lugar
dos pratos dos talheres a tonalidade
das estações nas janelas
a casa já não é tua mas
reconheces o conforto dos sofás
o prazer antigo de estar na sala
o avançar tímido da luz no soalho
como dizia
sonhei que viajava enfim
para Paris
falo de um tempo de espera
de um delay entre a matéria e a consciência
o éter o tempo em que vão cair as pétalas a
todas as palavras a
todas as palavras
a todas as
palavras

[in Contra a Manhã Burra, Mariposa Azual, 2009]


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Mastiguei os passos da tua ausência para engolir a minha saudade.





(de bica curta)

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela

"Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar."

De Alberto Caeiro

Diagnósticos

Os diagnósticos são inúmeros. Aqui fica mais um olhar sobre a nossa situação.
Pessoalmente servem apenas para filtrar algumas coisas e tirar as minhas próprias conclusões, uma vez que o meu propósito é depois da reflexão a acção.

Diagnósticos - Link da Atlantic.com

I switch between this and that like footsteps of a cockroach.


Confusion


Causalidade

Pintei as unhas de vermelho para quando coçar os piolhos da minha alma não se notar tanto o asco das minhas entranhas.

Folhas caducas

Há-de ser uma força avassaladora
as patas da joaninha
num quase imperceptível ramo
pequeno, pequeno
os verdes de todos os tons
a luz filtrada
vermelho escondido
sons em redor
batem as asas da borboleta
as larvas saem e as sementes germinam
as gotas são mares
os perfumes, indizíveis
e depois há as letras
e os homens e mulheres
a calcar cimento e alcatrão
e o barulho ruidoso que cala a todos
e tudo é cinzento e em excesso
neons e passadeiras
as crianças já não trazem berlindes nos bolsos
e no entanto
a rádio toca
para a joaninha 
para o cego e o velho sentado
para as silhuetas irrequietas atrás das janelas espelhadas
um planeta sem silêncios 
azul
que se esquece de olhar para dentro 
que é onde se vê mais longe.



Contemplation


I am the in-between stars
not a comet nor a molecule
just there
to contemplate You
from the higher place I can get
to know how You look
from an infinite perspective.







Burroughs

Como transformar um massacre numa orgia.


A um suspiro de distância

















Quando estás a um suspiro de distância
não preciso de te alcançar num toque ou beijo
sinto-te
num estremecer próprio do electromagnetismo
e alinho-me nesse campo potencial
arranhas-me e são violinos os arrepios propagados
violeta branco e negro
as sombras no escuro adivinham-se
e volto ao suspiro
volto a esse vácuo
súbito beijo.

Roses



Thanks for singularity
thanks for the Roses
seek your individuality
run from the cave
let the sun burn your eyes
embrace knowledge
let sad be a colour
and hapiness a miracle
let a rock be everything
and your smile a testament.




O silêncio e o Piano



Depois do silêncio
que nota acertar no piano? e depois dessa?
mas depois vem a água e as notas caem como gotas e falam-me ao ouvido
-sim, estou aqui!
e lembro-me sempre do poeta que gritou " o mar entra pela janela"





Love



Nunca conseguirei definir se é o olhar
os sussurros
ou apenas tu toda
quedo-me só na certeza da paixão
do lugar certo para cada palavra em vórtice
do gesto a percorrer o espaço até me tocares
do instante de antecipação
a volúpia da entrega
a magistral geometria de ti
esta loucura que me molda e marca com as tuas iniciais
o teu sabor
ou as letras que desenhas
e as imagens da tua retina
mas caminho em frente certo que é em torno do sol que nos movemos.




Judge Jury and Executioner



"Durante algum tempo em Berlim, perguntou-se quais os livros que devia levar consigo. A sua primeira ideia fora que depois das longas marchas pela floresta e no silêncio das cabanas da aldeia iria precisar de uma leitura leve. Os hábitos de leitura tinham-no quase abandonado em África... Mas ocorreu-lhe, antes de começar a procurar esses livros em Berlim, que iria acabá-los muito depressa. E havia mais outra coisa: aqueles livros iriam, com a sua simplicidade, criar-lhe imagens mentais de um mundo para o qual já não tinha qualquer serventia. Por isso, e de um modo insidioso, corrompiam-no, e não eram tão inofensivos como ele pensava."


V.S. Naipul in Sementes Mágicas


Shotgun Wedding



I want to uncover our box
the dust and dirt filled with lipstick
fuck you while I do some shooting
playing Naked City and screaming some Ducasse nasty lines
I want to leave sentences in the form of wounds
kiss you like an eruption
eat you like my favourite desert
be one with you inside a bullet
the most sharp end of a katana
art in a cave
I want you magnetic curve turning red, all the time.

Noise and Vapor


Noise and vapour
drops of blood
clouds in all shapes
coloured violet
bubbles on the ceiling
men climbing walls
monodioxid carbon perfum
poison ivy all around my torso
metal theeths not one scratch
just noise and vapour.



quarta-feira, 5 de junho de 2013

fumo

dissipou-se 
na manhã orvalhada da minha insónia
amplexo antagónico
do teu olhar nocturno
acusmaticamente prostrado

ao abandono das moscas.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Os cantos de Maldoror - Poesias I & II


"Vi-os também a corar, a empalidecer de vergonha devido à sua conduta neste mundo; raramente.(...) Deus, que criaste com magnificiência, é a ti que invoco: mostra-me um homem que seja bom!...Mas que a tua graça decuplique as minhas forças naturais; já que, perante o espectáculo desse monstro, posso vir a morrer de assombro: há quem morra por menos."

Em "Os cantos de Maldoror - Poesias I & II" de Conde de Lautréamont . Isidore Ducasse da editora Antígona. 



Pensei um dia em beijar-te a fronte enquanto arranco minuciosamente das tuas asas, o caminho que me obrigas-te a percorrer.

Do sexo das palavras na tua mão

(imagem retirada da net)




A visão de ti
masturba-me
na ânsia
de te morrer depois do amor
e
despida de mim
amontoo fragmentos que bebo no teu umbigo.


Por entre as nuvens


Flutuas por entre os minúsculos espaços das minhas moléculas como se atravessasses corrente de ar de primavera.
Às vezes a música escava sentimentos e emoções que apenas cheiramos ou possuímos   em níveis longe do racional. 
Os HTRK desenham linhas de baixo e percussão pontuadas por sons e melodias que vão desencadear as sombras e o mistério, alguma lascividade e um dolente arrastar do tempo. 

Originalmente os hate rock propuseram-se criar uma música que pudesse ser banda sonora da cinematografia Lynchiana. Com inspiração também no Post Punk e no Post Industrial, em cima de um ritmo lento o ruído é escrupulosamente seleccionado e cirúrgico. Depois a voz de Joninne Standish sobrevoa com classe e sedução. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Dia logos ex pes sos



- Desconheces o ódio da primavera. Sou inteiramente ascendente.
- Porque falas na primavera se és Inverno enrolado em si próprio?
- Porque de espesso que é o avesso das coisas consegues engolir o que na verdade sempre foi a temperatura quente dos meus ossos.
- Não acredito na queda…
- Não precisas, nem deves. Assim é muito mais escatológico.
- Puta!
- Muito…

Da perspicácia de uma noite de insónia.


Sabe-me a boca a terra e a cinza.
Caminhamos de costas voltadas, de mãos dadas, como crianças contra a parede nas mãos de um professor tirano; branco, com rugas - remanescendo a fronte da avó e pedacinhos presos de pano amarelo, infinitamente pequenos.
Ganhamos a ilusão que conseguimos lamber as feridas como quem lava uma parede rugosa com a língua e cada palavra que comemos dilacera as crostas que fizemos em voltas de 360 graus sobre nos próprios. Costas com costas mãos dadas parede branco sujo.
Existe naquele pequeno espaço uma sombra purpura feita de tabaco sépia que nos persegue atentamente.
Meto um penso rápido em cima da ferida dum tiro e lavo o nojo das fezes e o asco das mãos molhadas de mijo.