quarta-feira, 29 de julho de 2015

O que os olhos não ouvem

No dia em que mais nada conseguir fazer, vou escrever um livro sobre a estupidamente significante podridão humana, ao mesmo tempo que entrelinho, borboletas a esvoaçar por ter ouvido, da janela do quarto das leituras, um senhor que ao passar na rua, assobiava Coltrane. 

Esta dificuldade em ser crente no homem, como indivíduo, e paradoxalmente uma indestrutível fé romântica e ingénua em Coltrane...


terça-feira, 14 de julho de 2015

maternidade



Criar um filho e ter um filho são coisas bem diferentes.
Ter um filho é um acto infinito e perpétuo.
Criar um filho é prepará-lo para a guerra, com ou sem balas.
É trair o próprio acto em si da criação.

Destiná-lo a ser cada vez menos e mais longe o que uma vez se teve perpétuamente, e desejar com todos os ossos partidos, que este nunca seja o dele. É viver depois de ter um filho numa solidão imensa de mãe, que ralha, castiga e à noite desenha universos imensos de perder de vista, enquanto em segredo, a coberto do sono pequenino, se abraça aquele filho, tido, muito, sem nunca ter vontade que nasça.



quarta-feira, 8 de julho de 2015

Espelho

É uma ampulheta o tempo ausente
estradas de linhas que são o teu corpo.
Conversa aqui e ali ao longo de verdes 
e flores por ti assinaladas. 
O desejo estende-se numa saudade 
volta ao mundo em balão.



São os teus olhos em todo o lado 
e o teu pensamento 
sobrevoa-me como uma neblina que distorce a luz.

Fica tudo da mesma cor
as palavras ecoam em todas as arestas onde se partem 
infinitos cintilantes fragmentos 
dispersam-se 
invisíveis por toda a cidade. 

Todas as pessoas são iguais a ti
a cidade mais não é que o teu reflexo.