sexta-feira, 27 de junho de 2014

Sem parafrenália



Não sei mais que abraçar a aragem do voo dos pássaros sobre o horizonte poente
perder a vista lentamente sobre o calor;
nas mãos a raiz húmida do deserto,
perder as asas e secar lentamente
à exposição desoladora
da superlatividade.



terça-feira, 24 de junho de 2014

Divagações (outra vez)



Dizem do ultra-romantismo que, quando nos assenta bem na vida, faz passar os anos ao lado, mas quando nos assenta dolorosamente como um fato apertado, ou demasiado largo, faz-nos passar os anos por dentro do corpo, até ao exterior das nossas rugas e cabelos brancos.
Não sei se envelheci ou se os anos passaram à muitos anos atrás, como se agora quisessem à força tomar da minha carne os anos que devo à terra.

Dizem que aos 40 cada um tem a cara que merece, mas pergunto-me, que idade tem afinal o meu mundo?

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Novos velhos novos



Sentou-se gasta e velha e inchada como as velhas moídas da vida, com rugas tão fundas que se vê o outro lado do corpo. Onde a vontade é uma poeira muito antiga esquecida numa prateleira de livros usados. Igual só o banco do jardim comido pelo sol. Iguais só as pedras da calçada que todos os dias lêem o mesmo jornal, lambem as mesmas solas e bebem a mesma água.
Quando se deu conta era já o por do sol a lembrar-lhe que o frio também é importado, tal como os netos que chegam com o calor. Quando se deu conta as coisas da pressa e a pressa da das coisas morriam na praia de um verão distante em fotografia a preto e branco.
“Onde? Onde morri eu que já não me lembro?”

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A change?


Talvez mude
recordo-me,
todas as gatas
foram alcatrão e os pneus gastos
pele arranhada e as marcas para mostrar
herói dos afagos nocturnos e de perto
cheirar-lhes os segredos e o que mais nem elas sabiam
fugidias e lapas em rocha agarradas
as gatas são luas de face oculta
e máscaras sobrepostas, todas metidas na carne e a verter sangue, lágrimas
e em tantas outras noites, cheias
busquei-as nos quatro cantos
sabê-las é ter por dentro todas as emoções e os afectos
perceber a própria vida, muito clara e de letras grandes
encher-me de camadas compactas
onde nada mais cabe, nem nos intervalos
talvez mude, não quero sair do lado a preto e branco da lua que descobri
talvez
gosto deste lugar que erguemos e donde sempre te vislumbro, gata destemida
e acresce que gosto dos nomes que dás às flores.


terça-feira, 10 de junho de 2014

Divagações


Quanto mais me adenso em queda livre para dentro da escrita, mais comprimidos ficam os átomos; pior é que não melhora com o passar dos anos. Pelo andar da carruagem, um dia destes escrevo com a massa do sol e faço um buraco na terra.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Before Coming The Sun





antes de vir o sol
repousarei um beijo na tua face
das palavras de onde edificas poesia
o teu rosto myosotis
e um corpo coberto de tule e cambraia
são o primeiro lençol do dia
e as mãos de um absoluto envolver
o meu mais querido amanhecer



terça-feira, 3 de junho de 2014

A raiz de deus


Havia raízes neste lugar de fazer deus
mas o céu é um mal que vem de muito longe,
inusitadamente cruel.


Havia deus neste lugar de fazer raízes.