sábado, 29 de março de 2014

Amanhã



E
da promessa do amanhã na almofada dormida no lençol do teu corpo
ontem
este pano de fundo cinzento no contraste dos teus olhos de pai terra

E
verdes são os campos
cor de limão
e verde é a cor do meu coração.
O meu poema preferido transformado em inúmeras folhas
que espalho no chão do quarto.

Nascem flores, amor, de espanto.



quinta-feira, 27 de março de 2014



De um molho de fogos e a fita de cordel
soltos no vento beijos em arrozais
garças muito brancas e o verde perfume
discreto e cheio de uma frondosa largueza
sois o canto e o díspar espanto
amarelo esplendor dos girassóis de Beringel
meu amor de tanto encanto.





domingo, 23 de março de 2014

Agradecimento solene



A bancada é preta, de pedra e os bancos altos fazem deste sítio o melhor do mundo para petiscar um refinado queijo e um encorpado tinto. Como pano de fundo estão os nossos queridos jazzistas a encher a sala de uma multidão invisível. E o teu sorriso resplandece na luz discreta e suficiente deste nosso segredo à beira do amor plantado.

Tudo em harmonia desenha o teu rosto em expressões musicais; como se os teus pensamentos se dissolvessem em perfumes de ervas, aquele que compramos juntos, e dos teus dedos saíssem harmonias de Rachels’s.

Não há nada que mais satisfaça um coração, que um sorriso radioso à beira amor plantado.


sexta-feira, 21 de março de 2014

A vida toda no corpo



E os teus ombros de folhas que descubro
o chão com um sopro ao teu ouvido
branco
muito branco como a luz do verão
que se entorna pelo chão
comprido e escuro
os teus olhos de árvore e a tua alma
de andorinha

o regresso

nunca desistindo
de regressar

quarta-feira, 19 de março de 2014

To love



Onde nasceu o sol, naquele preciso espaço exíguo entre a tua perna e a tua virilha; foi precisamente aí que deixei um beijo como quem penitência de joelhos uma doença, na esperança de nascer o sol, todos os dias, com a mesma inclinação do amor, como naquela madrugada que desfolhaste os lábios da minha carne e em espasmos fizeste nascer o sol nas minhas coxas.
Onde depois nasceu a lua, o reflexo prateado dos teus cabelos grisalhos na fantasia cheia duma respiração crescente; e a tua boca amor, fendeu-me por dentro e dos meus lábios nasceram voos para as tuas mãos.

...e todos os dias, guardo o perfume tão carnal do nascer do sol.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Fábula



No voo mais alto do passaro poisam sobre o ninho as nuvens que chovem na aldeia. Pequeno. Pacato. Discreto. Ele vive acima de todas as coisas na serenidade de quem simplesmente voa.
No passo mais baixo do seu andar o homem mais alto do mundo, com os pes na aldeia e o peito molhado, vive com a cabeca nas nuvens com o dessossego de quem nao consegue voar.

O passaro nunca deixou de o visitar, nem o homem de o olhar.

(Tudo o resto é paisagem)


sábado, 15 de março de 2014

mutismo



Já te contei daquela vez que o mundo parou, daquela vez em que a água do nosso lago vibrou com uma libelinha, que o sol aquecia os meus ombros escondidos debaixo do chapéu e que quando os melros vieram comer, senti que o mundo parou quando te vi?

Às vezes esqueço-me de contar estas coisas porque as gravo tanto dentro do peito que se tornam os meus tesouros e deles nascem primaveras todos os dias.

Se calhar é por isso que não te contei.
se calhar é por isso.
se calhar.
é por isso.
isso.
é.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Pensamentos...



A singularidade de cada um reflecte-se nas relações como actos caóticos. Como o vento que abana as árvores e lhe imprime um bailado inaugural para os espectadores de bancada aprenderem os novos e bizarros passos de uma dança estranha.
Talvez no fundo, estejamos mesmos sós e morreremos sós, onde tudo, todos e o universo não passam, por mais que nos esforcemos empaticamente, de teimosos factores exógenos até que a idade se revolva a acalmarmos a fome e permitir-nos a serenidade da solidão.


terça-feira, 11 de março de 2014

Imagetica dos meus dias



Correram os dias em limoeiros
Verdes e as folhas com teias
Aquele fresco férreo da chuva
Casa A nossa terra

Abraço o cheiro dos campos
E de espanto respiro-te em cada gota de orvalho

E quando o mundo pára
E quando só existe esta aragem fresca da manhã
E quando nos meus olhos só existem campos
O tom da terra dos teus olhos inunda-me
E os teus braços de pássaro estendem-se com os meus.

Aí, nesse preciso instante em que a morte poderia vir serena
É aí que toda a vida respira

Na ternura imensa dos limoeiros
Abraçados à terra
O orvalho
E a certeza da eternidade


sexta-feira, 7 de março de 2014



Excessivo dizer de ti
As pérolas de frente
Alinhadas num pendente
Doce morte no teu peito
Glória de te ver
O justaposto contraponto em te receber
Vestes muito compostas
Tecido justo no teu corpo sibilante
retorno em um gesto terno
Púrpura vermelho ocre
Destemida languidez
Rejubilo com as marcas dos teus pés, danças
Frémito sonhado, concretização invisível
E depois sobre um acumulado de rios
Desafio a correnteza e essa incerteza dos dias
Conto mil poemas, junto as letras
Pequeninas vagens segmentos do beijo
Excessiva demora um tempo à espreita da luz
Sobejamente cheio de luz
Arde fogo
Situado num vagar de te ver, joelhos no chão
Trago estas pérolas nos dedos
Na boca uma trova

Escavei entalhes num pau e anunciei a morte do sol
A vitória crepuscular
Espalhei-me espaço fora e cobri tudo de jasmim
O vento troquei por perfume
Alexandria, roubei! E do cinema, beijos
Nem cólera nem dor , só espanto
De te dar, de seres, por termos, infinito inscrito.


quarta-feira, 5 de março de 2014

Céu de noite



Até um simples Cair de folha
Desenha no ar a tua figura
entre um vidro fino, uma seda
arrastados passos encobertos de noite
desvendamos a filigrana, o teu desenho secreto
um reencontro na luz dos teus olhos
invento uma carícia e seguro-te os cabelos
Poeta e Leão.

Reuni todos os despojos, acorri ao topo do monte
esconjurar tudo e o que não é digno de ti,
um só caminho
por entre cotovias e gentis vinhas
apenas isto, nem perguntas nem cogitações
apenas isto, água
Invoco o louco cometa e astros designados
de um só trago, pronto e penitente, sorvo-te!
abandono na fonte esse torpor, medo
ergo-me e aponto-te lá longe, muito depois do horizonte
solto um uivo, aberto o peito em que te faço minha
e da madrugada vermelha saúdo-te,
o orvalho gelado a reflectir o céu
respirar amanhecer de espanto
no frémito milagre de te fitar assim.


segunda-feira, 3 de março de 2014

É o teu corpo


É o teu corpo
frágil esguio erótico
que persigo
e frenesim constante
obsessão
deitado lá longe
escorre como mel essa lembrança que levo até Júpiter
prescrito mundano sou fiel ao teu busto
dos teus gestos delicados
escuto o rumor e ponho-me a adivinhar a surpresa
não me importa o subjectivo e desdenho o substantivo
invento adjectivos e letras, caracteres
as musas quero mortas
fixar só apenas este amor de ti
reduzir o amor em amor
e só amor ser
ser só este rosto que olha o teu
rugas marcas cicatrizes
cabelos brancos cabelos negros
morrer em ti
que eu também já fui poeta
mas agora sou muito mais que isso
sou teu