domingo, 22 de dezembro de 2013

8


Pele que te faz ínsula
tu e eu – península

uma árvore no deserto e um mar
de flores líquidas
miragens que concedemos
ao luxo infinito da areia
porque podemos existir
plenamente
na satisfação de morarmos por dentro
da nossa pele.

8



Pele - dizia ele
nos poros da tua pele nascem flores
onde as abelhas fazem o mel
e arco-íris em todas as cores

Pele - disse ele
universalmente
a tua pele.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Particula



Hoje chove-me por dentro e as vozes não se calam.
Largam frases inteiras que davam livros inteiros
chove dentro deste casa singular a que chamei coração.

Os dias malditos de tanto não acabarem e a chuva

é preciso regar o jardim,
não chove por fora dos vidros
e morrem as flores que semeei para a tua boca.

Hoje amanheceu noite cerrada e sem estrelas
a lua agasalhou-se nas nuvens que o vento sopra.

Se ao menos soprasse a chuva por dentro dos vidros.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Definições



Um dia, porque me pediram por favor,
deixei de ver as estrelas e tudo se apagou.
Aos meus olhos a luz cintilante deixara de o ser
a minha mão, as borboletas já não poisavam
e a minha alma definhou aos poucos
a morrer a fome.
Um dia pediram-me para escrever um poema
e de tanto querer oferecer o mundo
ofereci as minhas mãos cheias de vento
onde antes voavam borboletas, saiam cartuchos de pó
e o pior, meus amigos, não era isso, porque à vaidade
nunca mordi o isco. O pior era ter o mundo por dentro
estar prestes a rebentar de contentamento
e nem uma palavra de alento a não ser
os meus olhos ao relento
da noite.

Poesia é dizer que as árvores
nascem entre as linhas
perfumadas da tua paisagem.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Voo


Levantámos voo.
A planar sobre um deserto de grãos de areia letras rabiscadas que em noites de vento e brisas quentes se juntam em versos sibilantes inscritos em pedras antigas que às vezes ficam escondidas sob as dunas e nesse mar amarelo de contrastes, postulamos sobre utopias e conjuramos a solvência de rídiculas regras e dejectos intelectuais. Só para podermos ser nós e só nós apenas. Desafiar esta breve existência e cogitar sobre sementes infestantes de luxúria e espaços abertos, detalhes de peles ruborizadas e corpos ardentes de máxima capacitância e infinita conductividade, campos eléctricos docemente insuportáveis.
Num voo, planamos e eis as asas da nossa insolência, partilhada.




quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

alfa beto



alfabetizar-te em dialectos inexistentes
só para escrever “meu amor” vertiginoso.
todas as letras têm o contorno exacto dos lábios
as sílabas o brilho do teu olhar e o poema
o perfume universo fonético.
a folha em linhas é o nosso sexo e beijar-te
é morrer orgasmos de espasmos em ponto final.
reticências.
Alfabetizar-te universal em conjugações escandalosas
Sem ponto

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

7



E se eu quisesse sentar-me, pegar numa caneta e oferecer o mundo?

Olhei Eurídice, magenta inspiração
escopro por entre silêncios a estremecer o tempo
esconjurar o pérfido, soletrar o enigmático, dizer da noite
cantar o amor, Pessoa e Camoniano
sacramento adjectivado
tecer enleios e inventar o transcendente
cuidar de afectos no urdir zeloso da espessura das letras
olhar de olhos fechados para explicitar o imperceptível
metáforas ao fogo e à terra, o seu apelido.

Um poema não é o poeta, é quem o bebe
e não se contenta só com a vida ou o belo
mas persegue o anseio e idolatra as musas
é ter sempre o vento de feição e exigir num continuum devir
o espanto
medir o tempo laboratório de instantes
gritos muito altos, plenitude num vociferar

a céu aberto.


domingo, 15 de dezembro de 2013


desço trago a trago essa corrente de fumo
submersos navios à tona da madrugada
nos olhos rasos de silêncio em vagas de sono
propagam-se nos degraus da entrada

os dias somam-se na luz que dobra os telhados
nas estrelas sobre os joelhos

dormir sobre as raízes da tua floresta 


6



Toque da aurora na tua pele veloz
martírio porta trancada a sós.

                                                     Toque toque.
                                                     - Quem é?
                                                     Foi o vento que deixou a tua pele.


Do teu perfume o toque na boca da minha alma
de sangue carne e ferro rasgados o resquício
da morte
das letras.

Deixo crescer no mar a tua respiração
o sibilante no coração aberto como as letras inclusas da tua voz.

Ao toque da hora aborrecida do gume da monotonia corto o vento
por dentro do lado de fora do frio, onde adormecido
o voo límpido dos búzios desperta distraído o mar dentro da areia.


sábado, 14 de dezembro de 2013

5


Comer à nascença o fruto de morrer
nos interlúdios das estações
fazer música do sangue e crescer
entre notas de areia e asfalto
dizer distraidamente:
- comi o mundo de assalto!

Na solidão assistida de mãos dadas,
como as árvores,
desaparece o mundo engolido dentro de ti
as raízes são sempre entrelaçadas
húmido silêncio de crescer
flores na terra e em nós
semeamos o fruto da nossa eternidade.

Beber dos dias o sémen, na ponta do coração
escritura dos dias em fios de contas
com eles riscamos o tempo, entre adeus e amor.

Isto, meu amigo,
mais não é que uma sucessão de histórias.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

4




Não sou eu que tenho roubada virtude de espoliar outros em nome das leis
remeto-me à poda e ao perfume da azálea
a sulcar círculos em volta de mim
pegar na tua mão em corridas cinematográficas numa praia deserta
o que me toca é o desprendimento do olhar de espanto na criança
o tempo que serve para andar para trás e eclipsa a moeda e a usura
extinguir a fome, lepras, ratos mudos e aves de penas exóticas
transformar em ouro e diamantes o lixo e a verborreia
trazer de rojo o Homem do Zaratustra
e ter-te sempre acesa essa exaltação luz milagre
a mesma onde me colocas
rio rápido folha flutuante, nada me removerá daí, aqui
ceifar as daninhas e o veneno das águas que ninguém espreita
ingénuo, permanecer imaculado
marcar para sempre infinito rasgão na pele e na carne
deste frémito que é teu
ébrio encantamento de olhos abertos
a felicidade maior que é, já não saber sonhar sozinho!



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

3



Do Alentejo

Quero o branco persistente nas paredes fartas de cal
marcadas de rugas como as mãos velhas que as pintam
quero o amarelo citrino do trigo aurora ceifado de tarde
entre segredos lentos e demorados
campos tingidos por papoilas vermelho ao sol
vozes que se levantam do chão e entoam o canto austero cavado de enxadas, 
lavam as lágrimas sinuosas dum sofrimento espesso a rasgar o sufoco dessa muda liberdade
os girassóis parecem cobrir tudo o que a vista alcança, perdem a forma
quando tocam o horizonte olham-nos de frente com um olhar de que ninguém se escapa
filhos de uma terra de claridade, comem  o pão duro
o Alentejo quando arde cheira a azinho, coentros da Lurdes e orégãos
as portas nunca se fecham, deixam-nas escancaradas ao assomo das almas
escuta-se o silêncio e o canto nocturno do mocho na oliveira
sábios dos cardos às estrelas, do que rasteja ao sonho mais improvável
dizem os nomes de pássaros que ninguém viu
copos ínfimos a transbordar do tinto do Vai-à-Vila
sei a profundidade da ribeira e os contornos da pedreira que me ensinaram a ver
na lonjura desse caminho fui menino e fiz-me homem
é para cá que me trouxe, é aqui que me quero.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

2


Numa tangente a uma curva
um ponto
onde nos podemos mover
onde não nos podemos mover
simultaneidade!
o espaço em volta
são os passos de volta
disseram do paradoxo
inventámos a solução
era o gato Schödinger? Ou não...
estamos na mesma espiral
o encontro uma inevitabilidade
fusão dos átomos em atmosferas de altas pressões
espasmo de néons, encadeados na luz
sem ponto de retorno
a cor d'água
caminhámos tanto até aqui, mesmo que quietos
os pés como se tivéssemos percorrido o mundo
os papéis agora juntos numa gaveta
esboço
palavras e versos, ideias
o pranto floriu harmónicas depois do silêncio
que nota acertar no piano? e depois dessa?
mas depois vem a água e as notas caem
palavras de sibilar:
-sim, estou aqui!
e lembro-me sempre do poeta que gritou " o mar entra pela janela".







terça-feira, 10 de dezembro de 2013

4



Utopias

Não me perguntes por que razão não te dou a mão
não queiras saber do vento nem do comprimento
da minha relação com a água saberei que morro afogada
não vejas os rastos de pegadas molhadas pela sala
nem a antiga cómoda cheia de pó
respeita o meu abandono pelas coisas porque eu não vivo só.
vivo só com todos as quimeras que crescem arrebatadas por dentro
lembra-te que quando estou, as pegadas e o pó são cumprimentos
redondos e acabados do sonho que larguei abandonado para te sorrir
em metáforas de carne viva.

O dia em que chovia pétalas de silenciar a boca
perfeito concreto o ar
rarefeito a entornar

brindamos ao dia mais poético da nossa existência
de braços enrolados em lã na dolência de fazer utopias.




1



Revolvem-se sombras geocentricamente em frente
vielas roucas de bairro arrastam demoradamente
preâmbulos monótonos da insignificância
carceres vulgarmente ocasionais
e já ninguém estranha.

Da vida e da sua exiguidade
ninguém lembra a causa de tamanho lapso
- é a vida – dizem, com voz de cansaço.

Entre o pó esquecido dos dias afio o gume
desinteressadamente rombo da humanidade.

Na ponta da cama, da faca e o escuro
sobrevivo às migalhas da memória nos ouvidos de silêncio duro
paredes antárcticas de gestação claustrofóbica,
o cabo rachado, velho, gretado que seguro,
aparta na entoação pulmonar do teu grito
com a constatação absurda da insignificância
do meu pessimismo aflito.

Revolvem-se sombras geocentricamente em frente
primaveras jardins de te fazer sempre
realidade intocável da tua alma
com olhos comovidos de calma
escrevi-te a minha primeira poesia:
“Dormias aos pés da minha alegria
em cadências de respirações ovais
a certeza de existir colossalmente em tamanha pequenez
de sorriso branco que um dia me diria
que a vida foi em ti um banco 
com vista para o jardim.”